A PREGAÇÃO - LEGATÁRIOS DE ANTIOQUIA OU HERDEIROS DE ALEXANDRIA?
O homem muitas vezes é movido por novidades e no afã de
descobrir coisas novas acaba por não investigar as fontes dos fatos, por não
averiguar aquilo que lhe é apresentado. No capítulo 17 de Atos dos Apóstolos
Paulo prega de forma veemente na cidade cosmopolita e pagã de Atenas; ele prega
Cristo e a Ressurreição para ouvidos que estavam acostumados a ouvir as últimas
novidades. Os séculos se passaram e o homem permanece curioso vivendo em busca
das mais recentes notícias do mundo. Infelizmente esse espírito curioso
adentrou nos arraiais de muitas igrejas de tal maneira que é preciso inovar
para não se parecer “tacanho” na liturgia ou na ordem do culto. No desejo de
agradar aos homens denominações inteiras têm deixado as boas e velhas amigas: a
ortodoxia e a ortopraxia para se fazer dos “cultos” verdadeiros circos onde
comumente o púlpito é o picadeiro e o pregador o palhaço.
AS ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA
Na escola de Alexandria a interpretação reinante era a
alegórica. O entendimento dos teólogos alexandrinos era o de que a
interpretação literal das Escrituras se destinava única e exclusivamente aos
iniciados, aos neófitos na fé, quanto aos que estavam consolidados no evangelho
reservava-lhes uma interpretação um tanto quanto mais profunda, mais mística,
mais espiritual do texto. Dentre os eminentes teólogos da supracitada escola
consta o nome de Orígenes, teólogo que influenciou alguns outros Pais da Igreja
que seguiram uma interpretação alegórica e João Cassiano a quem se atribui o
uso da quadriga, método de interpretação que injetava no texto sagrado quatro
sentidos distintos, são eles: Literal, Alegórico, Tropológico e Anagógico. A
quadriga foi sem dúvida para muitos teólogos alegoristas o ápice da
sistematização da interpretação alegórica. Nesse ínterim, nasce a escola
catequética de Antioquia em reação à escola de Alexandria. Os antioquianos
partiam da premissa que o bom intérprete das Escrituras deveria compreender a
intenção do autor canônico e isso se daria por uma interpretação literal do
texto bíblico.
A HERANÇA ALEXANDRINA NA PREGAÇÃO
Se existe uma herança alexandrina em voga em nossos dias são
os sermões aos milhares que são pregados em muitas igrejas. Famigerados
pregadores mormente do meio pentecostal moderno e da seara neopentecostal
ressuscitaram o conceito alexandrino chamado alegorese. Eles conseguem enxergar
significado simbólico em tudo. São os atuais discípulos de Orígenes que
contemplava as duas ordenanças, a ceia e o batismo nas moedas do bom samaritano
dadas ao hospedeiro. Quando estão diante das pedras recolhidas por Davi no
ribeiro atribuem significados fantasiosos e mirabolantes. Quando diante do
cesto de junco que levava o menino Moisés no Nilo encontram significados
pitorescos e exaurem aplicações inusitadas. Quando diante dos cinco pórticos de
Salomão no capítulo 5 de João concluem que os mesmos apontam ou para os cinco
nomes de Jesus (Is 9.6) ou para os cinco ministérios da igreja (Ef 4.11).
CONJECTURAS INFUNDADAS ASSOCIADAS AO ALEGORISMO
Em recorrentes situações a alegoria é posta em prática
quando o pregador se vale de uma mensagem calcada em conjecturas bizarras e
extravagantes. No ímpeto de anunciarem “coisas novas” contemplam o capitão do
navio onde Jonas estava embarcado, vislumbram a mãe do filho pródigo e não é
exagero afirmar que pregam até sobre o marido falecido da viúva de Naim por
pensarem ter se “esgotado” o assunto do filho morto. Eles fazem uso da Bíblia
como se a mesma fosse um livro que pode ser exaurido até a última gota como os
demais best sellers deste mundo. Ledo
engano. A Bíblia é um tesouro inesgotável, uma fonte inexaurível. É como um
manancial que jorra água ininterrupta e perenemente. Precisamos ser legatários
da herança deixada em testamento pelo pais antioquianos e não herdeiros por
imposição da maléfica interpretação alegórica alexandrina. Entretanto, vale
ressaltar que na busca pela verdade homens piedosos se equivocaram em escolher
o método alegórico de interpretação; em contrapartida ainda que possa haver nos
dias hodiernos pessoas piedosas que incorram inadvertidamente no mesmo erro, na
maioria das vezes os sermões alegóricos fazem parte de um script que é composto por novidades, palavras de persuasão e euforia
por parte dos ouvintes. Os alexandrinos erravam em alegorizar a Bíblia, mas
pelo menos buscavam um sentido cristológico; já os pregadores alegoristas de
hoje falam sobre tudo, menos de Cristo. Permaneçamos a interpretar a Bíblia
como Luciano de Antioquia, Agostinho de Hipona, Ambrósio de Milão, João
Crisóstomo, como os Reformadores e os puritanos e, que possamos deixar o mesmo
legado às gerações futuras como nos foi confiado.
Por Esdras Moreira Machado
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